Mudanças climáticas: quem paga a conta? A própria natureza?
Na tarde do dia 30 de maio de 2023 foi realizada a última aula do semestre da disciplina Mudanças Climáticas Globais e a Amazônia, do Programa de Pós-Graduação em Agriculturas Amazônicas (PPGAA), vinculado ao Instituto Amazônico de Agriculturas Familiares (INEAF).
Tal disciplina, coordenada pelo Professor Carlos Valério Gomes, inaugurou oficialmente o tema Mudanças Climáticas como disciplina no INEAF e provoca em seu conteúdo programático os debates rumo à Conferência das Partes em sua trigésima edição (COP 30) a ser realizada em 2025 em Belém do Pará. A COP é o órgão supremo da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, adotada a partir de 1995 (Berlim), como desdobramento da Eco1992 (Rio de Janeiro).
Nesta última aula, os pesquisadores Zefanias Samuel Fazenda, Iná Camila Favacho e Frederico Brandão foram convidados para analisar sob diferentes ângulos a emergência climática em suas causas, efeitos, processos e contradições das ações humanas nos ecossistemas terrestres.
A vulnerabilidade climática de Moçambique
Zefanias Samuel Fazenda avaliou os impactos das mudanças climáticas em Moçambique, país localizado no sudeste do continente africano. Moçambique é um país de 799.380 Km2 de clima tropical úmido, com as temperaturas médias que variam de 20ºc aos 26ºc, onde vivem cerca de 28 milhões de habitantes [1]. As terras altas das regiões norte e central de Moçambique são afetadas pela monção do nordeste no verão e ciclones tropicais do Oceano Índico atingem tipicamente Moçambique no verão e estão associados às precipitações mais fortes.
Segundo Zefanias Fazenda, Moçambique é um país altamente vulnerável às mudanças climáticas em função de sua localização e geografia, onde grandes áreas do país estão expostas a ciclones tropicais, secas e cheias. Mais de 60% da população vive em zonas costeiras, onde tempestades intensas vindas do Oceano Índico, juntamente com a subida do nível do mar e inundações advindas das bacias hidrográficas da região colocam em risco a agricultura, pesca e infraestrutura locais e causam forte impacto na vida de animais e plantas da costa moçambicana. Zefanias relatou o drama da população das províncias de Zambézia, Sofala, Manica, Tete e Inhambane em sofrer os danos causados pelos Ciclone Idai e Kenneth em 2019, com 223 mil casas destruídas, 161 mil pessoas deslocadas, 1.641 feridos e 603 óbitos.
Apesar das emissões de Moçambique serem de apenas 0,3 tons/pessoa/ano de dióxido de carbono quando a média global per capita das emissões está em torno de 5 tons/pessoa/ano de CO2-equivalente (portanto, 17 vezes maior que Moçambique) e dos EUA de 16,5 tons/pessoa/ano[2], é o país africano o mais afetado atualmente no mundo pelas atividades poluidoras dos países mais ricos. Qual a estratégia das Partes da ONU para a reparação social, econômica e psicológica aos países mais pobres e mais vulneráveis às mudanças do clima?
Territórios Líquidos em Baião-PA
Em outra seção da aula, Iná Camila Favacho analisou a relação entre Liquidez versus Resiliência das múltiplas intervenções de corporações transnacionais no Território de Baião, no Estado do Pará. Baião é um dos onze municípios que compõem a mesorregião conhecida como Baixo Tocantins, com população estimada pelo IBGE (2021) em 49.454 habitantes dentro de um território de 3.759,834 km². Iná Camila aponta que o município possui histórico de recebimento de grandes projetos de infraestrutura que afetam ecossistemas locais e culturas, desde rodovias como a PA – 151 e a Transcametá (BR-422/PA), até megaestruturas como a hidrelétrica de Tucuruí. Recentemente, novos projetos tentam se implantar na região como a Hidrovia Araguaia Tocantins e a ferrovia Araguaia-Tocantins, que trazem consigo outras formas de uso da terra como as plantações de soja que já iniciam no município[3].
Ao analisar as ações governamentais e de empresas privadas, Iná Camila Favacho provoca-nos para refletir sobre a liquidez dos territórios comunitários e sua capacidade de resiliência ante os grandes projetos implantados e pensados para Baião. Para Favacho, ao considerar a liquidez sociológica expressada por Zigmunt Bauman[4], Territórios Líquidos seriam “submetidos a um acúmulo de intervenções resultantes da imposição de mega empreendimentos de interesse de grandes corporações, cujos efeitos, nem sempre possíveis de mensuração, produzem um transbordamento contínuo e difícil de ser contido, caracterizado, dentre outras coisas, por reações ambientais adversas, descartabilidade da natureza, desigualdades sociais, conflitos e modificação/destruição dos modos de vida tradicionalmente ocupantes da região” (FAVACHO, 2023)[5]. Por outro lado, para Iná Camila, Territórios Resilientes teriam a capacidade de manter essencialmente suas funções, estruturas, relações e identidades não obstante toda pressão oriunda dos megaprojetos de infraestrutura e sistemas agrícolas/agrários de alto poder financeiro como assim descreve WALKER et al (2002)[6].
Diante disso, Iná Camila menciona um dos impactos causados pela implantação desses grandes projetos na região de Baião, caracterizado pelo aumento da violência sofrida pela população, principalmente, por aqueles que migram de suas localidades, devido ao avanço da implantação destes projetos nessas áreas, para o centro urbano do município. Outra situação destacada por Favacho foi a omissão da existência de áreas de pesca e de comunidades tradicionais no Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA) desenvolvido pelo projeto, infringindo as recomendações do Ministério Público Federal (MPF), que solicita a identificação das mesmas no local onde se pretende executar a atividade. Tal fato, possibilitou o andamento das etapas do projeto, que afeta a preservação do estuário marinho, ocasiona o assoreamento das praias próximas em decorrência da dragagem entre outras consequências.
Ao final, Favacho deixa indagações para a continuidade de estudos e debates como: A) Qual a capacidade de resiliência após a imposição de múltiplas intervenções decorrentes de grandes projetos sobre o território de Baião e seu entorno? B) É possível que comunidades tradicionais se constituam, analogamente ao conceito jurídico, como um conjunto de “freios e contrapresos” aos efeitos do transbordamento imposto pelos grandes projetos? C) Pensando além da atuação das comunidades tradicionais, como desenvolver mecanismos de resistência ao avanço dos grandes projetos, diante da não obrigatoriedade normativa de mensuração dos impactos cumulativos, conforme previsão do Art. 6º, II, da Resolução CONAMA nº 1, de 23 de janeiro de 1986?
COP-30 em Belém
Na última sessão da aula do dia 30 de maio, Frederico Brandão analisou as perspectivas para a COP-30 em Belém. Belém é um dos onze municípios que compõem a mesorregião metropolitana de Belém, com população estimada pelo IBGE (2021) em 1.506.420 habitantes dentro de um território de 1.059,466 km² e é considerada junto com Manaus-AM duas das grandes metrópoles da Amazônia.
Frederico Brandão iniciou a palestra realizando o seguinte questionamento: “Por que a Amazônia é relevante para o mundo?”. Para responder esse questionamento, Brandão considera que a Amazônia: a) contribui com a regulação climática global; b) possui 10% da biomassa global e ¼ do carbono acumulado em ecossistemas terrestres; c) é responsável por abrigar cerca de 10% da biodiversidade do planeta; d) produz chuvas responsáveis por irrigar boa parte da América do Sul graças aos seus rios voadores; e) carrega a visão idílica da humanidade sobre o Eldorado e o Jardim do Éden; f) é palco de disputas geopolíticas.
A Amazônia tem sido tema de encontros e tratados internacionais sobre proteção da natureza e direitos intergeracionais. Frederico Brandão cita os grandes acordos mundiais de meio ambiente assinados desde a ECO 92 no Rio de Janeiro, passando pelas Conferências entre as Partes - COPs, destacando o Acordo de Paris - COP21, de 2015. Para Brandão, existe um lado A e um lado B das discussões que ocorrem nas COPs. No lado A estariam os compromissos nacionais para redução das emissões (comunicações nacionais), as questões técnicas sobre mecanismos de redução como o REDD+, as metodologias para cálculo de emissões de Gases de Efeito Estufa - GEE, o debate sobre recursos financeiros e a definição dos pagadores da conta mundial sobre os efeitos das mudanças climáticas causadas pelo modelo econômico atual. Na COP 28, prevista para acontecer em Dubai, nos Emirados Árabes, espera-se avaliar o Acordo de Paris e a necessidade de intensificar ambição e recursos para operacionalizar o fundo de perdas e danos encaminhada na COP 27 realizada em Sharm El Sheikh, no Egito.
No lado B das negociações das COPs ocorreriam as apresentações das ONGs de seus trabalhos, na tentativa de influenciar decisões e obter recursos. Concomitantemente, o setor privado articula sua comunicação de net-zero e tenta inserir pontos de seus interesses nos relatórios finais dos encontros. Para Brandão, as últimas COPs têm mostrado o crescimento da participação de entidades subnacionais (Estados, Departamentos, Províncias, etc) e de organizações de base comunitária, notadamente de organizações de jovens e de mulheres.
Como sugestões para a realização da COP 30 em Belém do Pará, o professor Brandão entende que é preciso: a) criar um movimento cívico Amazônida que acompanhe o processo e garanta a participação popular; b) definir consensos temáticos e elaborar cronograma de eventos; c) Comunicar à sociedade para entender o que está em questão; d) Indicar as obras prioritárias para recebimento da COP.
Quem paga a conta?
A última aula desta primeira edição da disciplina Mudanças Climáticas Globais e a Amazônia convidou a comunidade do Instituto Amazônico de Agriculturas Familiares (INEAF) a refletir sobre os desafios de nossa geração. Ao propor aula acessível ao público em geral, ou seja, não somente de alunos do programa de pós-graduação do INEAF, mas para todos que quisessem participar, a disciplina cumpriu seu objetivo de propor amplo debate sobre o tema e inovou com formato em que a facilitação seria feita pelos próprios estudantes, bem como de seus resumos para divulgação dos temas abordados. Nesse sentido, a coordenação metodológica de Valério Gomes e Ana Felician foram determinantes.
As aulas realizadas ao longo da disciplina nos mostram que sem rever as bases econômicas das principais nações do planeta, não resolveremos os problemas relacionados à crise climática. Bases orientadas pelo capitalismo tentam convencer as novas gerações que podem ofertar soluções para a crise instalada, quando o mesmo sistema é responsável direto pela degradação de florestas, rios, clima e de extinções em massa.
Mais do que uma Era de Mudança, precisamos de uma Mudança de Era: superar o Capitaloceno.
Texto: Carlos Ramos & Raimara Reis – Discentes do PPGAA.
[1] Para se ter uma comparação, o estado do Pará, no Brasil possui 1.248.000 km², com uma população estimada pelo IBGE (2021) de 8.777.124 habitantes.
[2] COSTA, ALEXANDRE. Moçambique e o preço pago pelos mais pobres pelo aquecimento global. Publicado em Brasil de Fato, em 24 de Março de 2019. Disponível em https://www.brasildefato.com.br/2019/03/24/artigo-or-o-nome-disso-e-divida-climatica-nao-ajuda-humanitaria. Acesso: 05/06/2023.
[3] A Prefeitura Municipal de Baião propagandeou em fevereiro de 2023 a primeira colheita de soja na região, verificável em sua rede social - https://www.instagram.com/reel/CpGsfWFpxC7/?utm_source=ig_web_copy_link&igshid=MzRlODBiNWFlZA==
[4] BAUMAN, Z. (2001). Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Editora Zahar, 2001.
[5] FAVACHO, INÁ CAMILA. No Clima da Liquidez X Resiliência: Múltiplas intervenções de corporações transnacionais no Território de Baião. Nota conceitual. Disciplina Mudanças Climáticas Globais e Amazônia. 30 de maio de 2023. INEAF/ UFPA.
[6] WALKER, B.; CARPENTER, S.; ANDERIES, J.; ABEL, N.; CUMMING, G.; JANSSEN, M.; LEBEL, L.; NORBERG, J.; PETERSON G. D.; PRITCHARD, R. (2002). Resilience management in social-ecological systems: a working hypothesis for a participatory approach. Ecology and Society, 6(1), 14.